Paulino Vieira

O músico e orquestrador Paulino Vieira declarou no Mindelo que a música de Cabo Verde está falsificada por "falsos produtores" que buscam o lucro com "projectos dos outros", podendo extinguir-se se a verdade não prevalecer.
Paulino Vieira, que falava quarta-feira num encontro com a comunidade cultural da cidade, iniciativa do próprio e de um grupo de amigos, num dos hotéis do Mindelo, lançou, no início, ao que vinha: que o momento era de confraternização e de amizade para, entre outros, despertar a classe para a "falta de irmandade".
Mas a conversa, que se estendeu ao longo de duas horas e trinta minutos, abarcou os mais variados temas, do seu percurso musical, desde a iniciação na aldeia da Praia Branca, em São Nicolau, onde nasceu de uma família de músicos e em que a "comunhão do bom comportamento" fazia a diferença, passando pelas técnicas por ele utilizadas ao longo da sua carreira, até o momento actual da música de Cabo Verde.
"A música de Cabo Verde está falsificada por falsos produtores que buscam o lucro com projectos dos outros, e se a verdade não vier ao de cima corre o risco de extinguir-se", declarou o músico para quem nada faz sentido se não for pela razão.
Felizmente, acentuou, há ainda "uma meia dúzia" de gente que, "de vez em quando", faz alguma coisa boa, e, nesta linha, aconselhou os mais jovens a procurarem as pessoas que detém aquilo que designou de tradicionalismo.
"Oiçam Titina, Bana, Longino, Morgadinho e Jorge Sousa, por exemplo", reforçou para, logo de seguida, dar conta da vontade de rir que sente quando ouve a expressão "nova música de Cabo Verde".
"É mais uma falsificação dos impostores para branquear a sua falta de dados, já que só tem olhos para o lucro e não estão interessados em manifestar-se como defensores da tradição, pois se o fizerem perdem o ganha-pão", lançou Paulino Vieira.
Por exemplo, a morna, acrescentou, tem os seus ingredientes próprios e não pode ser falsificada. "Devemos estar abertos à evolução tecnológica, mas ela só é compatível com o desenvolvimento técnico do instrumentista", ou seja, ajuntou, a tecnologia não ensina ninguém a tocar, mas se um músico desenvolver a sua técnica, aí sim, terá a tecnologia do seu lado para desenvolver a música", afirmou.
"Há que separar o trigo do joio, apostar no ensaio e no exercício permanentes, encontrar o nível para agradar a si próprio e dar o máximo de alegria a quem se quer agradar", concretizou.
Perante uma plateia de músicos formada por Chico Serra, Bau, Voginha, Jorge Sousa, Tey Gonçalves, Gabriela Mendes, entre outros, e de agentes culturais das áreas do teatro e do artesanato e da multi-media, Paulino Vieira lançou a ideia de reintrodução da viola de dez cordas na morna e do hábito da serenata.
Em relação à serenata, lançou, tudo depende dos músicos, pois é um costume que deve sair da alma, pelo que e o regresso às noites de serenata está nas mãos dos interpretes. "Serenata é como um remédio, toma-se para ficar bom", sublinhou.
Sobre a reintrodução da viola de dez cordas, Paulino Vieira sustentou que se trata de um instrumento que está a fazer falta na orquestração da música cabo-verdiana, pois "completa a viola de seis cordas" com "alguma meiguice".
"Morna sem viola de dez cordas é igual a cachupa sem sal, uma relíquia que deve ser reintroduzida na música de Cabo Verde, ocupando o lugar que merece", disse Paulino Vieira, ao mesmo tempo que exemplificava com gestos sonoros a cadência da viola de dez cordas.
Para o fim deixou o apelo à união e irmandade entre a classe -"há que conversar mais, pois só funciona o entendimento em que todos ganham" - e os elogios a três jovens cantores, Cremilda, Olavo Rodrigues e Jocilene, e ao veterano guitarrista Voginha, a quem pediu para "pôr cá fora" o trabalho que tem na gaveta.
No dia em que isto acontecer, lançou, muitos "vão delirar" porque o trabalho vai mostrar o "grande músico" que é Voginha.
Ao fim de duas e meia de conversa, Paulino Vieira marcou um novo encontro com a comunidade cultural do Mindelo. "Será no dia 29 de Agosto de 2013, mas tragam os instrumentos musicais", porque desta vez foi só conversa. A seco.